Eu não passei mil dias em Veneza,
mas bem que eu gostaria de passar. Para mim, Veneza é uma das cidades mais
emocionantes que já conheci. Cheia de ruelas, becos, canais e pontes repletos
de história, muita história. Isso me fascina! Mas não foi amor à primeira
vista. Assim como na história de Marlena de Blasi, no livro Mil Dias Em Veneza,
fui me encantando por essa cidade aos poucos.
Foi no ano de 2002 em que lá
estive pela primeira vez. Foi uma visita um pouco solitária, pois tinha ido a
trabalho e não conhecia muita gente, o que, provavelmente, me fez ter poucas recordações
de lá.
Retornei dez anos depois, com uma
pulga atrás da orelha, mas com muita curiosidade, já que meu modo de ver as
coisas era certamente outro.
Primeiramente, vale esclarecer
que Veneza não se resume ao conjunto de ilhas. Há também uma parte de Veneza
localizada no continente, chamada de Veneza Mestre. Algumas pessoas preferem
ficar no continente, porque os hotéis e estacionamentos são mais baratos do que
na Veneza histórica. Quanto à hospedagem, eu particularmente acho que não vale
a economia, pois faz parte dessa viagem se hospedar naqueles edifícios de quase
mil anos de idade. Já quanto ao estacionamento, pode valer a pena.
Eu e meu marido chegamos a Veneza
de carro. Como só é possível entrar na Veneza histórica a pé, deixamos o carro
estacionado num dos vários parcheggi situados
na Piazzale Roma. Não foi barato, gastamos um total de 100 euros mais ou menos
para 3 diárias. Os estacionamentos em Mestre são mais em conta. Se você resolver
estacionar por lá, pra chegar na Veneza histórica basta pegar um trem até a
estação Santa Lúcia, que fica na Veneza histórica. O trajeto dura cerca de 10
minutos e custam alguns poucos euros (3 euros, se não me falha a memória).
Do estacionamento até o hotel foi
uma verdadeira saga. Fazia um calor de 40 graus e, como eu e meu marido estávamos
viajando por 30 dias pela Itália, eu tinha uma super mala e fiquei com preguiça
de fazer uma mala menor só para Veneza. Afora esses dois detalhes, o hotel
ficava a uns 2 km
da Piazzale Roma. E, mais, as ruas lá são bem difíceis de se localizar, porque
há uma lógica própria diferente do que estamos acostumados. Conclusão: meu
marido carregou a mala maior e eu a menor, ele resmungava a cada degrau que
tinha que subir e descer pelas pontes sobre os canais, enquanto eu não parava
de rir de tanto nervoso. A gente suava em bicas, nos perdemos por diversas
vezes e, quando conseguimos localizar o hotel, descobrimos que não havia
elevador. O pior é que ficamos sabendo depois que o vaporetto, que saía da Piazzale Roma, parava do lado da rua do
hotel. A dica então é: leve pouca bagagem, se possível, e verifique antes se o vaporetto para perto da rua do seu
hotel.
Uma bela recepção na chegada.
Tive certa dificuldade para
encontrar um bom hotel. Achava tudo muito velho e caro. Optei por um bed &
breakfast, chamado La Villeggiatura. Um espetáculo! Novo, charmoso e limpo. O café
da manhã é uma delícia. E os quartos são bem espaçosos. Ele fica localizado no
último andar de um prédio residencial. A aparência do prédio pode assustar um
pouco, porque é bem velho e não tem elevador, mas chegando ao andar do B&B,
você simplesmente se esquece de todos os degraus que teve de subir. Pagamos
cerca de 180 euros por noite para um quarto clássico. Achei um excelente custo
x benefício. Mas, se você achar caro, indico uma opção mais em conta: Hotel Flora – diárias a partir de 130 euros.
Ao mesmo tempo em que fui
escrevendo esse texto e me lembrando dos lugares por onde andamos em Veneza,
também lia o livro de Marlena de Blasi. Fiquei estupefata quando li que Marlena
sempre frequentava a Cantina do Mori, um bar que existe desde o século XV. Eu
li a indicação desse bar num dos vários guias que ficam expostos na recepção do
B&B. Dentre as várias opções, não sei por que escolhi esse lugar. É um bar
bem rústico em que você come e bebe no balcão. Não há mesas. Os petiscos são
uma delícia, assim como o vinho da casa. Indiquei esse lugar para algumas
pessoas, sem saber sobre a sua história. Agora, fico feliz de lá ter ido e com
vontade de voltar. Veja o trecho em que a autora Marlena descreve o bar:
“Como se a
feira já não fosse dádiva suficiente, a Cantina do Mori se escondia ali perto,
em uma ruga tranquila logo depois do
centro do mercado. Eu adorava ficar dentro daquela sala estreita iluminada por
lamparinas, admirando a divertida procissão que começava de manhã tão cedo que
eu jamais conseguiria ver. Porém, as reprises eram intermináveis: peixeiros com
aventais de plástico, açougueiros com jalecos sujos de sangue, agricultores que
cultivavam alfaces e frutas. Quase todos os homens daquele desfile entravam
pela porta a intervalos de cerca de meia hora e, hesitantes, se aproximavam do
bar do século XV do mesmo jeito que mercadores, nobres e soldados vinham
fazendo havia mais de 500 anos. [...] Muitas vezes eu era a única mulher
presente, além das turistas ou da rara visita de alguma vendedora. Éramos todos
atendidos por um homem simpático chamado Roberto Biscotin. Há 40 anos ele
cozinha, serve bebidas e distribui seu sorriso Jimmy Stewart no mesmo
estabelecimento. E sempre há cenas isoladas acontecendo no seu palco.
Os turistas
japoneses pedem um Sassacaia a 30 mil liras a dose, os alemães bebem cerveja,
os americanos leem seus guias de viagem em voz alta, os ingleses acham ruim não
haver cadeiras nem mesas, os franceses nunca gostam do vinho, e os australianos
parecem estar sempre embriagados. E todos eles são como papel de parede para os
nativos.
Por volta do
meio-dia, a feira se acalma, os clientes começar a voltar para casa e os
feirantes vão cuidar do próprio apetite. Roberto está a postos com panini trufados, tramezzini de presunto cozido ou truta defumada, pedaços de queijo
com cheiro forte, grandes travessas de alcachofra, pequenas cebolas em conserva
envoltas em filés de anchova, e barris e garrafas de vinhos locais e não tão
locais assim.
Durante o meu
primeiro inverno, depois de a minha lealdade já ter sido observada por alguns
meses seguidos, Roberto se oferecia para guardar meu casaco e minha sacola de
compras cheia de produtos da feira na cozinha para eu ficar mais livre. Eu
comia e bebia de acordo com o clima e com meus desejos, e me lembro de algumas
das refeições feitas ali, de pé, como as melhores da minha vida.”
Enfim, não deixem de ir à Cantina
do Mori!
Em Veneza, o legal mesmo é
caminhar, caminhar, caminhar... De repente, por entre as andanças nas ruelas
antigas, você pode se surpreender com uma lojinha, um restaurante ou um bar de
mil anos atrás.
Numa dessas andanças, nos
afastando da muvuca, indo em direção ao Giardini,
eu acabei me deparando numa esquina com um barzinho simples e cheio de
venezianos esquisitos: tinha uma mulher meio punk meio hippie que
tomava uma bebida colorida e tava com uma cara bem “deprê”, tinha um casal de
idosos que não se aguentavam sentados (imaginem de pé!) tomando um café, uma
mulher com umas crianças malucas e um grupo de velhinhos que falavam alto no
dialeto veneziano. Achei um sarro e, claro, sentei na última mesa que sobrava
no terraço. Resolvi pedir a mesma bebida que a punk depressiva estava tomando. Chamava-se spritz. Eu nunca tinha ouvido falar dessa bebida que é típica de
Veneza. A receita é água com gás, prosecco,
Aperol e umas pedras de gelo. Uma delícia! Super refrescante! Depois de duas ou
três, eu já estava rindo daquelas pessoas tão inusitadas. Enfim, não deixe de
experimentar o spritz!
Áreas residenciais de Veneza.
Áreas residenciais de Veneza.
Têm dois restaurantes que nós
fomos que nos chamou bastante atenção. Um é o Da Mamo, inaugurado em 1987, que
fica numa rua bem estreita. Comemos uma pizza que estava uma delícia! Mas os
pratos de massa também pareciam muito apetitosos. Vale muito a visita. O outro
restaurante é a Osteria Al Pesador, que fica na beira do Gran Canale e que é bem agradável para o fim de tarde. A entrada e
os pratos que pedimos estavam muito gostosos.
Veneza ao entardecer. (Flickr)
Se quiser fazer um programa diferente
do roteiro tradicional, eu indico assistir a uma ópera no Palazzo BarbarigoMinotto. Trata-se de um espetáculo bem intimista com bons atores e cantores. Na
minha opinião, vale muito a pena a experiência, mesmo pra quem não gosta de
ópera (como eu! J).
Por fim, acho legal também
conhecer outras ilhas mais tranquilas de Veneza, onde o turismo não é tão
exacerbado e você pode vivenciar mais o dia a dia veneziano. Eu escolhi Lido
para visitar, sobretudo, porque tem praia (e eu sou fascinada por uma praia!).
Mas a praia de lá não é boa. O interessante é andar pelas ruas calmas e
sossegadas, parar num café ou num restaurante e comer bem fora do burburinho.
Tente voltar do Lido no entardecer. É lindíssimo pegar um vaporetto e chegar ao centro de Veneza contemplando o por do sol.
Parcheggi: