quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Mil Dias Em Veneza.

Eu não passei mil dias em Veneza, mas bem que eu gostaria de passar. Para mim, Veneza é uma das cidades mais emocionantes que já conheci. Cheia de ruelas, becos, canais e pontes repletos de história, muita história. Isso me fascina! Mas não foi amor à primeira vista. Assim como na história de Marlena de Blasi, no livro Mil Dias Em Veneza, fui me encantando por essa cidade aos poucos.
Foi no ano de 2002 em que lá estive pela primeira vez. Foi uma visita um pouco solitária, pois tinha ido a trabalho e não conhecia muita gente, o que, provavelmente, me fez ter poucas recordações de lá.
Retornei dez anos depois, com uma pulga atrás da orelha, mas com muita curiosidade, já que meu modo de ver as coisas era certamente outro.
Primeiramente, vale esclarecer que Veneza não se resume ao conjunto de ilhas. Há também uma parte de Veneza localizada no continente, chamada de Veneza Mestre. Algumas pessoas preferem ficar no continente, porque os hotéis e estacionamentos são mais baratos do que na Veneza histórica. Quanto à hospedagem, eu particularmente acho que não vale a economia, pois faz parte dessa viagem se hospedar naqueles edifícios de quase mil anos de idade. Já quanto ao estacionamento, pode valer a pena.
Eu e meu marido chegamos a Veneza de carro. Como só é possível entrar na Veneza histórica a pé, deixamos o carro estacionado num dos vários parcheggi situados na Piazzale Roma. Não foi barato, gastamos um total de 100 euros mais ou menos para 3 diárias. Os estacionamentos em Mestre são mais em conta. Se você resolver estacionar por lá, pra chegar na Veneza histórica basta pegar um trem até a estação Santa Lúcia, que fica na Veneza histórica. O trajeto dura cerca de 10 minutos e custam alguns poucos euros (3 euros, se não me falha a memória).
Do estacionamento até o hotel foi uma verdadeira saga. Fazia um calor de 40 graus e, como eu e meu marido estávamos viajando por 30 dias pela Itália, eu tinha uma super mala e fiquei com preguiça de fazer uma mala menor só para Veneza. Afora esses dois detalhes, o hotel ficava a uns 2 km da Piazzale Roma. E, mais, as ruas lá são bem difíceis de se localizar, porque há uma lógica própria diferente do que estamos acostumados. Conclusão: meu marido carregou a mala maior e eu a menor, ele resmungava a cada degrau que tinha que subir e descer pelas pontes sobre os canais, enquanto eu não parava de rir de tanto nervoso. A gente suava em bicas, nos perdemos por diversas vezes e, quando conseguimos localizar o hotel, descobrimos que não havia elevador. O pior é que ficamos sabendo depois que o vaporetto, que saía da Piazzale Roma, parava do lado da rua do hotel. A dica então é: leve pouca bagagem, se possível, e verifique antes se o vaporetto para perto da rua do seu hotel.



Uma bela recepção na chegada.


Tive certa dificuldade para encontrar um bom hotel. Achava tudo muito velho e caro. Optei por um bed & breakfast, chamado La Villeggiatura. Um espetáculo! Novo, charmoso e limpo. O café da manhã é uma delícia. E os quartos são bem espaçosos. Ele fica localizado no último andar de um prédio residencial. A aparência do prédio pode assustar um pouco, porque é bem velho e não tem elevador, mas chegando ao andar do B&B, você simplesmente se esquece de todos os degraus que teve de subir. Pagamos cerca de 180 euros por noite para um quarto clássico. Achei um excelente custo x benefício. Mas, se você achar caro, indico uma opção mais em conta: Hotel Flora – diárias a partir de 130 euros.
Ao mesmo tempo em que fui escrevendo esse texto e me lembrando dos lugares por onde andamos em Veneza, também lia o livro de Marlena de Blasi. Fiquei estupefata quando li que Marlena sempre frequentava a Cantina do Mori, um bar que existe desde o século XV. Eu li a indicação desse bar num dos vários guias que ficam expostos na recepção do B&B. Dentre as várias opções, não sei por que escolhi esse lugar. É um bar bem rústico em que você come e bebe no balcão. Não há mesas. Os petiscos são uma delícia, assim como o vinho da casa. Indiquei esse lugar para algumas pessoas, sem saber sobre a sua história. Agora, fico feliz de lá ter ido e com vontade de voltar. Veja o trecho em que a autora Marlena descreve o bar:

“Como se a feira já não fosse dádiva suficiente, a Cantina do Mori se escondia ali perto, em uma ruga tranquila logo depois do centro do mercado. Eu adorava ficar dentro daquela sala estreita iluminada por lamparinas, admirando a divertida procissão que começava de manhã tão cedo que eu jamais conseguiria ver. Porém, as reprises eram intermináveis: peixeiros com aventais de plástico, açougueiros com jalecos sujos de sangue, agricultores que cultivavam alfaces e frutas. Quase todos os homens daquele desfile entravam pela porta a intervalos de cerca de meia hora e, hesitantes, se aproximavam do bar do século XV do mesmo jeito que mercadores, nobres e soldados vinham fazendo havia mais de 500 anos. [...] Muitas vezes eu era a única mulher presente, além das turistas ou da rara visita de alguma vendedora. Éramos todos atendidos por um homem simpático chamado Roberto Biscotin. Há 40 anos ele cozinha, serve bebidas e distribui seu sorriso Jimmy Stewart no mesmo estabelecimento. E sempre há cenas isoladas acontecendo no seu palco.
Os turistas japoneses pedem um Sassacaia a 30 mil liras a dose, os alemães bebem cerveja, os americanos leem seus guias de viagem em voz alta, os ingleses acham ruim não haver cadeiras nem mesas, os franceses nunca gostam do vinho, e os australianos parecem estar sempre embriagados. E todos eles são como papel de parede para os nativos.
Por volta do meio-dia, a feira se acalma, os clientes começar a voltar para casa e os feirantes vão cuidar do próprio apetite. Roberto está a postos com panini trufados, tramezzini de presunto cozido ou truta defumada, pedaços de queijo com cheiro forte, grandes travessas de alcachofra, pequenas cebolas em conserva envoltas em filés de anchova, e barris e garrafas de vinhos locais e não tão locais assim.
Durante o meu primeiro inverno, depois de a minha lealdade já ter sido observada por alguns meses seguidos, Roberto se oferecia para guardar meu casaco e minha sacola de compras cheia de produtos da feira na cozinha para eu ficar mais livre. Eu comia e bebia de acordo com o clima e com meus desejos, e me lembro de algumas das refeições feitas ali, de pé, como as melhores da minha vida.”

Enfim, não deixem de ir à Cantina do Mori!
Em Veneza, o legal mesmo é caminhar, caminhar, caminhar... De repente, por entre as andanças nas ruelas antigas, você pode se surpreender com uma lojinha, um restaurante ou um bar de mil anos atrás.
Numa dessas andanças, nos afastando da muvuca, indo em direção ao Giardini, eu acabei me deparando numa esquina com um barzinho simples e cheio de venezianos esquisitos: tinha uma mulher meio punk meio hippie que tomava uma bebida colorida e tava com uma cara bem “deprê”, tinha um casal de idosos que não se aguentavam sentados (imaginem de pé!) tomando um café, uma mulher com umas crianças malucas e um grupo de velhinhos que falavam alto no dialeto veneziano. Achei um sarro e, claro, sentei na última mesa que sobrava no terraço. Resolvi pedir a mesma bebida que a punk depressiva estava tomando. Chamava-se spritz. Eu nunca tinha ouvido falar dessa bebida que é típica de Veneza. A receita é água com gás, prosecco, Aperol e umas pedras de gelo. Uma delícia! Super refrescante! Depois de duas ou três, eu já estava rindo daquelas pessoas tão inusitadas. Enfim, não deixe de experimentar o spritz!



Áreas residenciais de Veneza.


Áreas residenciais de Veneza.


Têm dois restaurantes que nós fomos que nos chamou bastante atenção. Um é o Da Mamo, inaugurado em 1987, que fica numa rua bem estreita. Comemos uma pizza que estava uma delícia! Mas os pratos de massa também pareciam muito apetitosos. Vale muito a visita. O outro restaurante é a Osteria Al Pesador, que fica na beira do Gran Canale e que é bem agradável para o fim de tarde. A entrada e os pratos que pedimos estavam muito gostosos.



Veneza ao entardecer. (Flickr)


Se quiser fazer um programa diferente do roteiro tradicional, eu indico assistir a uma ópera no Palazzo BarbarigoMinotto. Trata-se de um espetáculo bem intimista com bons atores e cantores. Na minha opinião, vale muito a pena a experiência, mesmo pra quem não gosta de ópera (como eu! J).
Por fim, acho legal também conhecer outras ilhas mais tranquilas de Veneza, onde o turismo não é tão exacerbado e você pode vivenciar mais o dia a dia veneziano. Eu escolhi Lido para visitar, sobretudo, porque tem praia (e eu sou fascinada por uma praia!). Mas a praia de lá não é boa. O interessante é andar pelas ruas calmas e sossegadas, parar num café ou num restaurante e comer bem fora do burburinho. Tente voltar do Lido no entardecer. É lindíssimo pegar um vaporetto e chegar ao centro de Veneza contemplando o por do sol.

Parcheggi:

Um comentário:

Fabi Capra disse...

Syl, tava indo responder uma mensagem sua (depois de décadas) e vi no seu perfil do face o link do seu blog, resolvi clicar e to me deliciando com as suas viagens!!! Adorei as dicas de Veneza... eu fui em 2006, num daytrip de Milão, e acho q não aproveitei muito, pois não tenho tantas recordações tbm. Espero qnd eu voltar eu goste tanto como você. Lindas fotos.
Beijos